Em 6 de maio de 2010, o índice Dow Jones Industrial Average (DJIA) caiu mais de 1.000 pontos, o que representou uma queda de mais de 9% em poucos minutos. A queda do DJIA foi a maior de todas em sua história de várias décadas, e eliminou mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado em menos de 30 minutos. O índice recuperou rapidamente a maior parte das perdas em uma hora, com investigações subsequentes revelando que a queda foi causada pela fragmentação do mercado, sentimento negativo geral e grandes apostas direcionais executadas por estratégias algorítmicas.
Um flash crash é uma queda acentuada e repentina nos preços devido à retirada de ordens, com o mercado se recuperando rapidamente, geralmente no mesmo dia de negociação – “tudo acontece em um flash”. Há evidências de que os flash crashes são bastante comuns no mercado, mas o Flash Crash de 2010 ainda é o maior e mais rápido da história.
Como aconteceu
Definitivamente, 6 de maio de 2010 não foi um dia como os outros. Os mercados foram caracteristicamente tomados pelo pânico. O euro estava se enfraquecendo em relação ao dólar americano e ao iene japonês com o aumento da ansiedade em relação à crise da dívida grega. E, nos EUA, a SEC estava consolidando o Reg NMS (Regulation National Market System – Regulação do Sistema Nacional de Mercado) para promover a melhor execução de ordens nos mercados. Os participantes do mercado, especialmente os traders de alta frequência, estavam atentos às oportunidades que esses eventos poderiam gerar para eles. Mas, apesar das tensões subjacentes, ninguém poderia ter imaginado o que estava prestes a acontecer.
Naquele dia, o mercado abriu com um sentimento predominantemente negativo. O tom de baixa se acelerou à tarde e, às 14h, o Dow estava caindo mais de 160 pontos. Às 14h42, o Dow já havia caído 300 pontos, antes de sofrer uma queda acentuada de 600 pontos em apenas 5 minutos. Às 14h47, o Dow tinha despencado mais de 9% no dia, depois de perder cerca de 1.000 pontos. As ações começaram a subir novamente por volta das 15h, ganhando mais de 450 pontos e recuperando grande parte da queda repentina de 600 pontos. Por volta das 16h30, os mercados haviam recuperado a maior parte das perdas e fecharam em queda de apenas 3,2% em comparação com o fechamento do dia anterior.
O que causou o Flash Crash de 2010?
Tudo naquele dia aconteceu muito rápido e não houve explicações definitivas para a súbita queda de 600 pontos nos mercados. Mas havia algumas hipóteses iniciais. Um argumento comum foi que os traders de alta frequência (sigla em inglês, HFTs) estavam sobrecarregando as bolsas com ordens que não deveriam ser executadas nos mercados. Ao efetivamente congestionarem as bolsas, os HFTs conseguiram desestabilizar os sistemas fragmentados de negociação de ações, obtendo, assim, uma vantagem injusta sobre outros investidores “inocentes”. Essa teoria implica que os HFTs estavam essencialmente tentando “falsificar (spoof)” o mercado ou simplesmente manipulá-lo. Spoofing é uma tática de “isca e troca”, onde um trader coloca várias ordens grandes que provocam uma reação do mercado. Em seguida, o trader cancela as ordens após a reação do mercado e faz a negociação oposta. Os HFTs levaram a maior parte da culpa durante o flash crash de 2010, mas alguns também sugeriram que isso ajudou a acalmar os ânimos.
Havia, também, a teoria de um erro conhecido como “fat-finger trade”. Isso normalmente ocorre quando um erro de digitação durante o processo de inserção de ordens resulta na colocação e execução de uma ordem maior do que o normal no mercado. No dia do flash crash de 2010, várias ações foram “despejadas” e, em particular, houve uma grande ordem de venda colocada na Procter & Gamble que fez com que as ações caíssem mais de 37%. No entanto, essa teoria foi posteriormente refutada após a constatação de que havia salvaguardas suficientes na época para evitar esse tipo de erro, e que o declínio foi resultado de uma queda nos contratos futuros e-mini do S&P.
Outra teoria plausível na época foi a de falhas técnicas na NYSE, que resultaram em atrasos nas cotações de preços, causando pânico entre os participantes do mercado. Os traders, então, tentaram sair dos mercados colocando preços extremos de compra e venda, enquanto os HFTs também tentaram fechar posições com grandes ordens de mercado. O resultado foi um efeito cascata que acabou levando ao flash crash.
Investigações
A SEC e a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (sigla em inglês, CFTC) dos EUA, pouco tempo depois, iniciaram investigações sobre a causa real do flash crash. Em setembro de 2010, foi divulgado um relatório que explicava a sequência de eventos que levaram à queda. Foi dito que um grande fundo mútuo (Waddell & Reed Financial Inc.) vendeu 75 mil contratos e-mini S&P no valor de mais de US$ 4,1 bilhões. Os compradores dos contratos incluíam HFTs, que normalmente não mantêm as negociações por muito tempo. Os HFTs, então, começaram a vender os contratos novamente, e as vendas combinadas provocaram uma queda nos mercados, à medida que os compradores se esgotaram.
No entanto, essa explicação foi alvo de críticas, especialmente porque surgiu após mais de 5 meses de investigações sobre um evento que durou apenas 5 minutos. Isso, por si só, provou que as Comissões estavam operando sistemas arcaicos. Além disso, não havia nada de errado com a ordem “grande”, pois ela estava alinhada com o sentimento do mercado naquele dia. E não era uma ordem particularmente grande, pois representava apenas 1,3% do volume de contratos e-mini negociados no dia 6 de maio e apenas 9% do volume durante o período de 5 minutos do flash crash.
Acusação
Em abril de 2015, o trader individual com sede em Londres, Navinder Singh Sarao, foi preso sob a acusação de que suas atividades em 6 de maio de 2010 causaram o flash crash. O Departamento de Justiça dos EUA acusou Sarao de usar algoritmos que colocavam grandes ordens de venda de contratos e-mini S&P no mercado. Em seguida, ele cancelou as negociações e comprou contratos a preços de mercado mais baixos. De 2009 a 2015, Sarao e sua empresa ganharam cerca de US$ 40 milhões usando essa mesma técnica de manipulação do mercado. O processo legal demorou um pouco para ser concluído e, somente em 2020, Sarao foi condenado a um ano de reclusão domiciliar. Não houve pena de prisão, com os promotores citando a cooperação de Sarao como justificativa para a sentença branda.
A acusação de Sarao não convenceu muitas pessoas. Era difícil imaginar que um único trader de pequeno porte pudesse ser responsável por temporariamente eliminar mais de US$ 1 trilhão em riqueza do mercado de ações. Na verdade, as revelações sobre seus atos levantaram grandes preocupações sobre o quão mais prejudiciais podem ser as ações dos grandes players do mercado.
Lições aprendidas com o Flash Crash de 2010
Há muitas lições a serem aprendidas com o flash crash de 2010. Em primeiro lugar, o crash destacou como a estrutura do mercado está mais complexa e interconectada. A queda ocorreu no mercado de ações, mas foi resultado de grandes ordens de venda colocadas em contratos e-mini no mercado futuro. Essa é uma ilustração de por que a tecnologia é realmente uma faca de dois gumes. Por um lado, há uma redução no tempo e nos custos de execução, bem como um fluxo rápido de informações. Mas, por outro lado, os mercados agora estão interconectados e um acidente ou um detalhe técnico em um mercado pode levar a consequências enormes em outro.
Levou mais de 5 anos para capturar um pequeno e, possivelmente, descuidado trader como Sarao. Embora grandes quantidades de dados de backup possam ter sido a causa da demora, isso realmente mostra o quão difícil é ir atrás dos verdadeiros profissionais que operam algoritmos sofisticados de alta frequência (HFT) no mercado. Além disso, a SEC e a CFTC não estão devidamente equipadas para perseguir os grandes players que utilizam tecnologias de bilhões de dólares para operar nos mercados.
Para os investidores, o papel cada vez maior dos HFTs está mudando a forma como eles se envolvem na atividade de negociação. Os HFTs negociam em velocidades incríveis, descontando algumas informações ou eventos do mercado em tempo real. Isso tornou o day trading particularmente mais arriscado para os investidores do que nos anos anteriores. O uso de stop losses também foi questionado porque os traders que não usaram as ordens praticamente não foram afetados pela queda, mas aqueles que as usaram tiveram de lidar com perdas já registradas. O crash também lembrou os investidores sobre os riscos de fazer negociações alavancadas no mercado. Uma queda acentuada nos mercados é capaz de gerar perdas ainda maiores para os investidores.
Considerações finais
Os flash crashes ocorrem com relativa frequência, mas o crash de maio de 2010 foi significativamente notável devido à grande queda nos preços e à cobertura maciça da mídia. Esse fato também trouxe à tona o papel dos HFTs na criação de incertezas e volatilidade nos mercados. Embora os algoritmos de computador possam ajudar a impulsionar e manter a liquidez nos mercados, eles não podem precificar os mercados com precisão durante a turbulência. É necessário um “intervalo” durante uma liquidação para garantir que o mercado não seja sobrecarregado. É por isso que foram adotados “circuit breakers” em todo o mercado após a crise. Esses mecanismos interrompem a negociação de todas as ações e ETFs quando há um movimento direcional superior a 10% em menos de 5 minutos. Também houve regras mais rígidas para formadores de mercado e corretoras, enquanto os grandes players são obrigados a informar sobre quaisquer ordens de grande porte que pretendam colocar nos mercados.
Resumindo, um flash crash inevitavelmente ocorrerá novamente. No entanto, as lições aprendidas com o flash crash de 2010 garantem que qualquer nova ocorrência não será tão significativa, permitindo que os investidores se protejam ainda melhor.